Estupidez – poema ilimitado

Sentado na escrivaninha de minha tia-avó morta eu meditava impiedosamente sobre alguma coisa rápida e seca na sua biblioteca pobre que merecesse ser reescrita.  As possibilidades não eram muitas e a respeito disso é preciso dizer que eu me desperdiçava entre cálculos mentais que intendiam uma conclusão sobre onde mora a facilidade em se escolher as coisas; tamborilava os dedos do pé na sola de meu sapato adesivado ao chão de madeira envernizada embora os sentisse  a dirigir minhas pernas pelas rodovias de azulejos brancos de uma locadora enorme alguns quarteirões abaixo de onde se erguia meu apartamento.  Um labirinto de títulos, fotos coloridas, texturas, altos e baixos relevos, um confesso pesadelo de opções deixadas de lado. Apalpei por fim  dois volume bem grossos de um certo autor irlandês.

Pensei:

– Ou não entro em contradição ou não entro pra tradição.

Naquele dia me trai: e nós dois nunca fizemos as pazes. Poucos anos após esse episódio, cansado de aparecer em propagandas difundindo a venda de créditos de guerra em nome da liberdade de criação, elaborei o dispositivo final. Muitos dos meus camaradas me apontam que não se trata de mais do que uma crise e que essas soluções fatalistas estão fadadas à impotência. Nascem desarmadas por um antídoto moral instalado pelas noites mal dormidas de seu criador. Céus, e como tenho mal-dormido. Sonho com ela recitando orações nunca compreendidas, palavras valises nunca decifradas, referências em dialetos gregos ignorados na minha adolescência boêmia. Quando a velha me deixa, em seu lugar contemplo multidões com indistintas individualidades, crianças de papel recortadas a braços grudados, páginas inteiras sem pontuação.

Meu talento individual estava aniquilado, desde o início, quando me via incapaz de escolher o melhor caminho para seguir solitário as pegadas nele impressas.

Agora, poderia ser nobre e me jogar no mar, morrer incógnito entre tantos marginais.

Mas acionei o dispositivo

e tudo fez

bloom!


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